Trata-se de
uma tradição lusitana, ibérica, reproduzida aqui na colônia desde os
tempos em que os negros carregavam em barris, nos ombros, a toilete dos
seus proprietários, e eram chamados de "tigres" - porque os excrementos
lhes caíam sobre as costas, formando listras. O Perfeito Idiota
Brasileiro, ou PIB, também não ajuda em casa. Influência da mamãe, que
nunca deixou que ele participasse das tarefas - nem mesmo pôr ou tirar
uma mesa, nem mesmo arrumar a própria cama. Ele atira suas coisas pela
casa, no chão, em qualquer lugar, e as deixa lá, pelo caminho. Não é com
ele. Ele foi criado irresponsável e inconsequente. É o tipo de cara que
pede um copo d'água deitado no sofá. E não faz nenhuma questão de
mudar. O PIB é especialista em não fazer, em fazer de conta, em empurrar
com a barriga, em se fazer de morto. Ele sabe que alguém fará por ele.
Então ele se desenvolveu um sujeito preguiçoso. Folgado. Que se escora
nos outros, não reconhece obrigações e adora levar vantagem. Esse é o
seu esporte predileto - transformar quem o cerca em seus otários
particulares.
O tempo do Perfeito Idiota Brasileiro vale mais que o
das demais pessoas. É a mãe que fura a fila de carros no colégio dos
filhos. É a moça que estaciona em vaga para deficientes no shopping. É o
casal que atrasa uma hora para um jantar com amigos. As regras só valem
para os outros. O PIB não aceita restrições. Para ele, só privilégios e
prerrogativas. Um direito divino - porque ele é melhor que os outros. É
um adepto do vale-tudo social, do cada um por si e do seja o que Deus
quiser. Só tem olhos para o próprio umbigo e os únicos interesses
válidos são os seus.
O PIB é o parâmetro de tudo. Quanto mais
alguém for diferente dele, mais errado esse alguém estará. Ele tem
preconceito contra pretos, pardos, pobres, nordestinos, baixos, gordos,
gente do interior, gente que mora longe. E ele é sexista para caramba.
Mesma lógica: quem não é da sua tribo, do seu quintal, é torto. E às
vezes até quem é da tribo entra na moenda dos seus pré-julgamentos e da
sua maledicência. A discriminação também é um jeito de você se tornar
externo, e oposto, a um padrão que reconhece em si, mas de que não
gosta. É quando o narigudo se insurge contra narizes grandes. O PIB
adora isso.
O PIB anda de metrô. Em Paris. Ou em Manhattan. Até em
Buenos Aires ele encara. Aqui, nem a pau. Melhor uma hora de trânsito e
R$ 25 de estacionamento do que 15 minutos com a galera do vagão. É que o
Perfeito Idiota tem um medo bizarro de parecer pobre. E o modo mais
direto de não parecer pobre é evitar ambientes em que ele possa ser
confundido com um despossuído qualquer. Daí a fobia do PIB por qualquer
forma de transporte coletivo.
Outro modo de nunca parecer pobre é
pagar caro. O PIB adora pagar caro. Faz questão. Não apenas porque, para
ele, caro é sinônimo de bom. Mas, principalmente, porque caro é
sinônimo de "cheguei lá" e "eu posso". O sujeito acha que reclamar dos
preços, ou discuti-los, ou pechinchar, ou buscar ofertas, é coisa de
pobre. E exibe marcas como penduricalhos numa árvore de natal. É assim
que se mostra para os outros. Se pudesse, deixaria as etiquetas presas
ao que veste e carrega. O PIB compra para se afirmar. Essa é a sua
religião. E ele não se importa em ficar no vermelho - preocupação com
ter as contas em dia, afinal, é coisa de pobre.
O PIB também é
cleptomaníaco. Sua obsessão por ter, e sua mania de locupletação
material, lhe fazem roubar roupão de hotel e garrafinha de bebida do
avião e amostra grátis de perfume em loja de departamento. Ele pega
qualquer produto que esteja sendo ofertado numa degustação no
supermercado. Mesmo que não goste daquilo. O PIB gosta de pagar caro,
mas ama uma boca-livre.
E o PIB detesta ler. Então este texto é
inútil, já que dificilmente chegará às mãos de um Perfeito Idiota
Brasileiro legítimo, certo? Errado. Qualquer um de nós corre o risco de
se comportar assim. O Perfeito Idiota é muito mais um software do que um
hardware, muito mais um sistema ético do que um determinado grupo de
pessoas.
Um sistema ético que, infelizmente, virou a cara do
Brasil. Ele está na atitude da magistrada que bloqueou, no bairro do
Humaitá, no Rio, um trecho de calçada em frente à sua casa, para poder
manobrar o carro. Ele está no uso descarado dos acostamentos nas
estradas. E está, principalmente, na luz amarela do semáforo. No Brasil,
ela é um sinal para avançar, que ainda dá tempo - enquanto no Japão,
por exemplo, é um sinal para parar, que não dá mais tempo. Nada traduz
melhor nossa sanha por avançar sobre o outro, sobre o espaço do outro,
sobre o tempo do outro. Parar no amarelo significaria oferecer a sua
contribuição individual em nome da coletividade. E isso o PIB prefere
morrer antes de fazer.
Na verdade, basta um teste simples para
identificar outras atitudes que definem o PIB: liste as coisas que você
teria que fazer se saísse do Brasil hoje para morar em Berlim ou em
Toronto ou em Sidney. Lavar a própria roupa, arrumar a própria casa.
Usar o transporte público. Respeitar a faixa de pedestres, tanto a pé
quanto atrás de um volante. Esperar a sua vez. Compreender que as leis
são feitas para todos, inclusive para você. Aceitar que todos os
cidadãos têm os mesmos direitos e os mesmo deveres - não há cidadãos de
primeira classe e excluídos. Não oferecer mimos que possam ser
confundidos com propina. Não manter um caixa dois que lhe permita burlar
o fisco. Entender que a coisa pública é de todos - e não uma terra de
ninguém à sua disposição para fincar o garfo. Ser honesto, ser justo,
não atrasar mais do que gostaria que atrasassem com você. Se algum
desses códigos sociais lhe parecer alienígena em algum momento, cuidado:
você pode estar contaminado pelo vírus do PIB. Reaja, porque enquanto
não erradicarmos esse mal, nunca vamos ser uma sociedade para valer.
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